Se você cresceu nos anos 2000, certamente conhece Jimmy Neutron – o menino gênio de cabelo castanho espetado que voava pelo espaço em suas invenções mirabolantes. Mas o que poucos sabem é que antes de se tornar o icônico personagem da Nickelodeon, Jimmy teve uma vida completamente diferente. Na verdade, ele nem sempre se chamou Jimmy Neutron.
A história por trás da criação deste personagem é repleta de reviravoltas, designs perdidos, demos esquecidas e uma busca quase arqueológica por mídia perdida que durou décadas. É uma jornada que começa em uma cozinha modesta no Texas, passa por uma demo de apenas 40 segundos que mudou tudo, e termina com contratos milionários em Hollywood.
Prepare-se para descobrir como Johnny Quasar – sim, esse era o nome original – quase permaneceu enterrado para sempre, e como uma pequena animação feita por dois desconhecidos revolucionou não apenas suas vidas, mas também a história da animação computadorizada.


A história de Jimmy Neutron começa muito antes do personagem existir, em 1981, quando dois jovens se conheceram por acaso em uma festa. Keith Alcorn e John Davis não poderiam imaginar que aquele encontro casual definiria não apenas suas carreiras, mas também o futuro da animação 3D.
John era um estudante de cinema que conseguiu um estágio na Bill Stokes Associates, um estúdio de animação 2D em Dallas, onde Keith já trabalhava como cinegrafista de animação. O início da parceria foi, no mínimo, hostil. “Eu o ignorei, o rejeitei e não lhe ensinei nada”, admitiu Keith anos depois, relembrando sua primeira impressão de John. Havia até rumores de que John queria tomar o emprego técnico de Keith, o que não ajudava em nada o relacionamento entre os dois.
Mas as primeiras impressões podem enganar. “Lentamente, percebi que John era realmente um cara legal – então, no final, ensinei a ele meu trabalho”, contou Keith. Uma decisão sábia, pois quando a Bill Stokes Associates fechou as portas, Keith foi trabalhar na K & H Productions, onde descobriu que John já estava lá – e tinha se tornado seu chefe.
Quando seus empregadores se aposentaram, os dois amigos tomaram uma decisão corajosa: abrir seu próprio estúdio. Mas a realidade bateu forte. “Não tínhamos clientes, nem dinheiro, nem vídeo de demonstração e não conhecíamos ninguém”, relembrou a dupla sobre aqueles primeiros dias difíceis. Eles literalmente começaram na cozinha de John, aceitando “todos os trabalhos que ninguém mais queria” – uma forma educada de dizer que pegavam projetos sem orçamento apenas para manter as contas em dia.
“Toda semana, nos encontrávamos na cozinha de John e perguntávamos um ao outro: ‘Por quanto tempo mais você quer fazer isso?”, descreveu Keith. Era uma pergunta que se repetiria por anos, sempre com a mesma resposta: mais um pouco.
A vida da dupla estava longe de ser glamourosa, mas aos poucos alguns clientes maiores começaram a aparecer: American Airlines, Southwestern Bell e Mary Kay Cosmetics. E foi justamente um projeto para essa última – a extravagante rainha dos cosméticos Mary Kay – que mudaria o rumo da história para sempre.
O briefing do projeto era, no mínimo, peculiar: “Eles queriam frascos dançantes de bronzeador jogando vôlei na praia”, descreveu John, provavelmente ainda sem acreditar no que tinha acabado de sair da sua boca. Para realizar essa visão… digamos, criativa, a DNA Productions (Studio criado pelos dois amigos, e que também tem aquela vinheta do macaca falando: “Hi I’m Paul!) precisava de algo que a animação 2D tradicional não conseguia entregar com eficiência.
“Foi quando descobrimos o LightWave”, contou John. O software de animação 3D era relativamente novo e acessível – pelo menos comparado às alternativas da época que custavam fortunas. Era exatamente o que dois caras sem muito dinheiro precisavam para dar vida a frascos de bronzeador atletas.
Mas enquanto pagavam as contas com projetos comerciais bizarros, Keithe e John tinham uma paixão secreta. Junto com o artista e amigo Paul Claerhout, eles uniam seus talentos artísticos e narrativos para criar curtas independentes nos fins de semana. E atenção: esses não eram desenhos para crianças. “Geralmente classificados para maiores de 13 anos, se não para maiores de 18 anos”, como eles mesmos admitiam.
A dupla era multitalentosa de um jeito quase irritante – além de animar, eles também compunham, tocavam e cantavam as músicas das próprias produções. “Sempre tínhamos projetos fora do horário comercial”, disse Keith. “Tínhamos em média um por ano. Gostávamos de fazer nossas próprias coisas, não com segurança, sem sermos ditados por um cliente.”
Esses projetos pessoais, com seu senso de humor peculiar e totalmente fora da caixa, começaram a ganhar vida própria. A dupla tinha um talento natural para criar coisas que eram simultaneamente bizarras e geniais – exatamente o tipo de conteúdo que chamava atenção no mundo underground da animação na época.

Foi através de Mike Judge – sim, o mesmo cara que criou Beavis and Butthead – que a DNA Productions conheceu o Spike and Mike’s Sick & Twisted Animation Festival, um festival de animação norte-americano famoso por apresentar curtas-metragens ousados, irreverentes e muitas vezes politicamente incorretos. Era tipo o Oscar da animação alternativa, onde os trabalhos mais loucos e criativos ganhavam reconhecimento, ta ligado ?
Em 1991, a DNA mandou para lá “Nanna & Lil’ Puss Puss“, um desenho animado 2D em preto e branco sobre uma avó completamente pirada e um gato demente. O curta não só foi aceito como também parou na MTV, no programa Cartoon Sushi. Era o tipo de sucesso que validava todas aquelas noites viradas na cozinha do John.
“Eu realmente acho que o que fizemos em nosso tempo livre foi o que nos impulsionou para onde estamos agora”, refletiu Keith anos depois. “Valeu a pena arriscar.” E como valeu! Em 1994, a DNA criou uma série de curtas que apareceu no “Roseanne’s Saturday Night Special” da Fox TV um programa de variedades criado pela comediante Roseanne Barr, para competir diretamente com Saturday Night Live, ou seja….. Eles estavam oficialmente no mapa.
Mas o melhor ainda estava por vir. Em 1995, inspirados pelo sucesso dos projetos anteriores e dominando cada vez mais o LightWave 3D, Keith e John decidiram criar algo diferente. Algo que combinasse a técnica que estavam aperfeiçoando com uma história que pudesse atrair um público mais amplo.
Foi assim que nasceu um cientista de foguetes pré-adolescente com um penteado que parecia “iogurte macio” – as próprias palavras usadas para descrever o visual inicial. Só que esse garoto não se chamava Jimmy Neutron. Seu nome era Johnny Quasar.
E aqui chegamos ao ponto de virada da nossa história! Em 1995, Keith Alcorn e John Davis criaram uma demo de apenas 40 segundos que literalmente mudaria suas vidas para sempre. “The Adventures of Johnny Quasar” ou em português “As Aventuras de Johnny Quasar” era uma animação simples, mas que mostrava todo o potencial do que eles conseguiam fazer com o LightWave 3D.
O conceito era simples: Johnny Quasar voando pelo espaço, se apresentando para o público, introduzindo seu fiel companheiro robótico Goddard, e então – olhando diretamente para a câmera – soltando a frase que se tornaria lendária: “Gotta Blast!” antes de disparar pelo cosmos.
Parece simples, né? Mas essa demo foi apresentada na conferência SIGGRAPH de 1995, um dos eventos mais importantes do mundo da computação gráfica. E cara, o negócio explodiu! Johnny Quasar arrebatou não um, mas DOIS prêmios Wavy da NewTek: Melhor Animação de Personagem e Melhor do Show. Era como ganhar dois Oscars técnicos de uma vez só.

Os designs iniciais do Johnny Quasar eram uma homenagem clara aos Puppetoons de George Pal, aqueles filmes de marionetes em stop motion dos anos 1940 que eram pura magia visual. Paul Claerhout, que estava colaborando com o projeto desde o início, teve uma participação fundamental na criação desses primeiros conceitos visuais.

A demo de 40 segundos foi tão impactante que chamou a atenção de alguém muito importante: Steve Oedekerk. Para quem não conhece, Oedekerk era (e ainda é) um dos caras mais influentes de Hollywood – roteirista, ator, diretor, produtor, comediante e, detalhe crucial, um aficionado por LightWave que sempre estava de olho em novos talentos.
Oedekerk ficou impressionado com o que viu. Tanto que fez uma parceria com a DNA Productions e ajudou na produção de algo muito maior: um piloto completamente novo de 13 minutos para apresentar à Nickelodeon.
Foi nesse momento que Johnny Quasar começou a passar por uma metamorfose. O piloto de 13 minutos, que ganhou o título de “Runaway Rocketboy“, marcou oficialmente a primeira aparição do personagem que conhecemos hoje como Jimmy Neutron. Mas por que a mudança de nome?
A resposta é mais estratégica do que vocês imaginam. Aparentemente, o nome Johnny Quasar estava criando paralelos indesejados com outros personagens já populares, como Jonny Quest e Captain Quasar. Em Hollywood, originalidade é tudo, e ninguém queria problemas legais ou confusões de marca. Então, Johnny virou Jimmy, e Quasar virou Neutron – um nome que combinava perfeitamente com a natureza científica do personagem.
Mas as mudanças não pararam no nome. Os designs também passaram por uma revolução completa. Paul Claerhout revelou anos depois que muitas das imagens que circulavam pela internet, que as pessoas achavam que eram da demo original de Johnny Quasar, eram na verdade renderizações de teste iniciais para o piloto “Runaway Rocketboy“.
Essas renderizações foram feitas especificamente para ajudar a vender o piloto para a Nickelodeon, produzidas um pouco antes dos designs finais entrarem em vigor. Eram como um “teste de conceito” visual, criado para mostrar aos executivos da rede como o personagem ficaria na tela.
Os designs iniciais, inspirados nos Puppetoons, deram lugar a algo mais moderno e comercialmente viável. Paul e Keith trabalharam juntos para criar uma versão revisada que mantinha a essência do personagem original, mas com um apelo visual que funcionaria melhor para o público-alvo da Nickelodeon.
Steve Oedekerk não estava apenas produzindo – ele estava literalmente guiando o projeto através do labirinto de reuniões e magnatas de Hollywood. Originalmente, todos pensavam em Jimmy Neutron como uma série de televisão. Mas quando a Nickelodeon viu o piloto, eles ficaram tão apaixonados pelas aventuras do Menino Gênio e seu cão robô Goddard que quiseram algo ainda maior: um longa-metragem!
Apesar de todo o sucesso que Johnny Quasar trouxe para a DNA Productions, a demo original de 40 segundos simplesmente… desapareceu. E quando dizemos desapareceu, é desapareceu MESMO.
Por anos, apenas os primeiros 11 segundos da demo estavam disponíveis publicamente, e olha só: eram de uma qualidade péssima. Os primeiros 3 segundos, sem nem mesmo o áudio original, foram encontrados em um rolo de demo VHS de 1994 do LightWave 3D. Os próximos 8 segundos vieram do antigo site da DNA Productions, de algum momento depois de 1995.
Você consegue imaginar? Uma das demos mais importantes da história da animação 3D, que literalmente mudou a vida de pessoas e influenciou toda uma geração de animadores, estava praticamente perdida para sempre. Era como se o Santo Graal da animação tivesse sumido no ar.
A comunidade de fãs não ficou parada. Por um tempo, todo mundo acreditava que a demo completa poderia estar em um CD-ROM raro da conferência SIGGRAPH de 1995. Fazia sentido, né? Se a demo foi apresentada lá e ganhou prêmios, certamente deveria estar nos arquivos oficiais do evento.
Mas aí que vem a decepção: depois de muito investigar, descobriu-se que isso era completamente falso. O usuário do Reddit u/siliconclassics e o V&A Archive of Art and Design – que tinham cópias dos discos originais – confirmaram que a demo NÃO estava lá. Era como procurar agulha no palheiro e descobrir que nem agulha tinha.
A busca se intensificou quando LSuperSonicQ, um YouTuber, decidiu ir direto na fonte. Ele entrou em contato com Keith Alcorn.
Keith Alcorn foi super receptivo quando LSuperSonicQ entrou em contato. Ele até conversou com John Davis sobre a demo perdida, e a resposta inicial trouxe uma pontinha de esperança. Keith acreditava que a demo original poderia estar em uma área de armazenamento de arquivos “particularmente grande” – basicamente, um depósito gigante cheio de HDs, fitas e mídias antigas da DNA Productions.
“Vou dar uma olhada quando tiver oportunidade”, disse Keith. E imaginem a ansiedade de todos os envolvidos esperando por essa resposta! Era como aguardar o resultado de uma escavação arqueológica.
Mas infelizmente, quando Keith retornou com notícias, não eram as que todo mundo queria ouvir. John havia vasculhado toda a área de armazenamento, remexido em caixas, checado cada HD antigo, cada fita, cada arquivo que conseguiu encontrar. O resultado? Nada. A demo original de Johnny Quasar simplesmente não estava lá.
Mas a investigação não parou por aí. CheatFreak, um usuário do Lost Media Wiki, teve a ideia de entrar em contato diretamente com Paul Claerhout, o designer de personagens e artista de storyboard que havia trabalhado no projeto original.
Paul foi super prestativo, mas também não tinha uma cópia da demo. No entanto, ele revelou informações cruciais que mudaram a percepção de todo mundo sobre o material que circulava na internet.
Lembram daquelas imagens de baixa qualidade de Johnny Quasar que estavam no antigo site da DNA? Todo mundo assumia que elas faziam parte da animação de demonstração original de 1995. Mas Paul revelou a verdade: essas imagens eram na verdade renderizações de teste de produção iniciais para o piloto “Runaway Rocketboy“, criadas especificamente para ajudar a vender o conceito para a Nickelodeon.
Essas renderizações foram produzidas um pouco antes dos designs revisados entrarem em vigor, e foram descartadas quando adotaram os novos visuais que Paul e Keith criaram juntos. Era como descobrir que as “fotos raras” que todo mundo pensava ser de um evento histórico eram na verdade de um ensaio fotográfico posterior.
Depois de anos de buscas e a aceitação do fato de que talvez nunca veríamos a demo completa de Johnny Quasar, aconteceu algo que ninguém esperava. E de onde menos se imaginava!
Em 14 de agosto de 2017, o dublador original de Johnny Quasar, Hilal Hourani, simplesmente apareceu do nada e postou as demos completas de 1995 E 1997 em seu canal do YouTube chamado “wizknocker“.
Imaginem a cena: depois de anos de LSuperSonicQ, CheatFreak, e dezenas de outros pessoas vasculhando arquivos, contatando pessoas, investigando pistas falsas e revirando a internet de ponta-cabeça, o cara que dublou o personagem original estava lá, tranquilão, com as demos guardadas esse tempo todo!
A demo de 1997, aliás, era completamente desconhecida até então. Ela mostrava Johnny Quasar confrontando alienígenas – basicamente uma segunda versão da história que expandia o universo do personagem. Era como descobrir que existia um episódio perdido de uma série cult que ninguém sabia que existia.
A revelação foi ainda mais impactante quando as pessoas finalmente puderam ver a qualidade original da demo de 1995. Aqueles 40 segundos eram realmente impressionantes para os padrões da época. Dava para entender perfeitamente por que Steve Oedekerk ficou tão impressionado a ponto de querer fazer uma parceria com a DNA Productions.
O primeiro conjunto de filmagens mostrava exatamente o que havia sido descrito: Johnny Quasar voando, se apresentando, introduzindo Goddard, e então aquele momento icônico onde ele olha diretamente para a câmera e solta o “Gotta Blast!” antes de disparar pelo espaço. Uma frase que seria reutilizada em todos os materiais promocionais e outras mídias do Jimmy Neutron pelos anos seguintes.
Era o fechamento perfeito de uma história que havia começado com tanto mistério. Às vezes, as respostas que procuramos estão mais perto do que imaginamos.
E assim chegamos ao final dessa jornada maluca! Depois de quase cinco anos de roteiros e contratos atravessando o país inteiro, a contagem regressiva para o fenômeno Jimmy Neutron finalmente começou. Aqueles curtas de um ou dois minutos que todo mundo que assistia Nickelodeon conhece – começaram a ser exibidos no verão de 1999.
Quando a produção do longa-metragem começou para valer, a DNA Productions teve que dar um salto gigantesco: de uma dupla trabalhando na cozinha para uma equipe de cerca de 80 animadores! Era como transformar uma lanchonete de bairro em uma rede de fast-food da noite para o dia.
“O Menino Gênio” chegou aos cinemas no verão de 2001, e o sucesso foi estrondoso. Logo depois, a Nickelodeon estreiou a série de televisão que rodou por anos e marcou a infância de uma geração inteira.
Mas a verdadeira lição dessa história vai muito além do sucesso comercial. Keith Alcorn e John Davis provaram que duas pessoas determinadas, trabalhando em uma cozinha no Texas, podiam criar algo que concorreria de igual para igual com os grandes estúdios de Hollywood. Eles literalmente uniram seus genes criativos em um contrato de 26 milhões de dólares e uma carreira viajando na velocidade da luz.
E então, pessoal, conseguiram processar essa história maluca? Quem diria que o Jimmy Neutron tinha esse passado todo como Johnny Quasar, né?
Deixem nos comentários o que vocês acharam e, se curtiram, compartilhem com a galera que também cresceu vendo a Nickelodeon. Tenho certeza de que vão ficar chocados com essas revelações!
Valeu pela companhia nessa viagem no tempo!
Fonte: Lost Midia Wiki
